Não é uma tarefa fácil hoje em dia escrever para um personagem como o Capitão América. Criado em 1940 durante a Segunda Guerra Mundial como propaganda a favor da entrada dos EUA no conflito, seu sucesso inicial foi totalmente estrondoso, decaindo apenas após o fim da guerra, sendo cancelado em 1950. Após uma fracassada tentativa de retorno em 1953, Capitão América só voltou mesmo em 1964, quando os Vingadores encontram seu corpo congelado, trazendo-o definitivamente de volta ao panteão de heróis do universo Marvel.
Tempos ingênuos justificam um super-herói com o inacreditável uniforme do Capitão, que representa muito bem o conceito do personagem. Passada aquela que é por muitos chamada de “a última guerra justa”, a figura do personagem tornou-se óbvia demais enquanto porta voz (e porta socos) de uma ideologia que coloca um único país no papel de “polícia do mundo”. Mesmo assim, ele conseguiu sobreviver nos quadrinhos desde o resurgimento em 64, não apenas à antipatia à política externa dos EUA, mas também a dois longas-metragens absolutamente horrendos.
O que justifica e dá respaldo a uma nova tentativa de trazer o personagem para os cinemas numa superprodução capaz de quebrar a antipatia e conquistar plateias não apenas dentro mas fora de seu país, é o grande plano do estúdio Marvel de reunir os Vingadores no filme-evento em 2012. O clima, porém, era tenso. Após uma fantástica estreia com o filmaço Homem de Ferro, a Marvel apresentou um Incrível Hulk e um Thor bons, porém abaixo das expectativas, além de um Homem de Ferro 2 que foi simplesmente um erro. Os mais atentos às notícias de bastidores sabem dos problemas de produção e de relacionamentos dos artistas com os executivos do estúdio que reduziam salários, trocavam atores, tudo em nome da economia, o que afastou definitivamente o ator Edward Norton de Os Vingadores e do diretor Jon Frevau de Homem de Ferro 3. O que seria do pobre Capitão nesse cenário incerto?
Joe Johnston, diretor de filmes apenas simpáticos como Querida, Encolhi as Crianças, Rocketeer, Jumanji e Jurassic Park 3, acenava a possibilidade de um filme nada mais que... simpático. Isso na melhor das hipóteses, em vista da má receptividade de O Lobisomem, seu filme mais recente. Chris Evans, que brilhou como o Tocha fanfarrão de O Quarteto Fantástico, também não foi bem recebido pelos fãs como um bom nome para interpretar o super soldado. Para completar, o roteiro é da dupla Christopher Markus e Stephen McFeely, cujo crédito mais relevante dos razoavelmente bem adaptados livros da série Crônicas de Nárnia.
Por isso tudo, é uma grande alegria descobrir que todos pareceram dar o melhor de si em Capitão América: O Primeiro Vingador. Para começar, é sem dúvida alguma o melhor filme de Joe Johnston. Ele volta ao clima dos anos 40 já visitado em Rocketeer, porém de posse de um roteiro muito mais interessante. Nele, as mais diversas citações às mais tenras origens dos personagens, como o escudo original (presente apenas nos dois primeiros gibis), o soco em Hitler (mostrado na capa do nº1), a participação nas cine-séries, seu papel na propaganda de guerra, tudo é usado não apenas para deleite dos fãs mais nerds, mas principalmente em benefício da história. Chris Evans interpreta um verdadeiro herói, no mais tradicional sentido defendido por Stan Lee que, apesar de não ter criado o personagem, começou a escrever para ele a partir no nº3. Ele é o oposto do Tocha que o tornou famoso, no que se refere ao ego e à importância que ele dá à força como condição para o heroísmo.
Uma boa adaptação foi a transformação de Bucky (um sidekick adolescente meio “Robin”) em um adulto que sempre protegeu Steve Rodgers quando este era franzino e se recusava a correr de uma briga. É também bastante divertido ver Howard Stark, pai de Tony, como uma das mentes por trás da tecnologia de ponta da época.
Se o roteiro tem um defeito, esse, infelizmente, coube ao vilão. Apesar de belamente interpretado por Hugo Weaving e perfeitamente maquiado pela equipe de efeitos especiais, o Caveira Vermelha não oferece muito em termos de participação na trama, muito menos em originalidade de seus planos. Até seu destino é sem graça e até meio confuso. Fora isso, vale destacar também os efeitos 3D. Embora um filme ambientado na década de 40 não seja esteticamente adequado a efeitos 3D (o 2D nesse caso funciona muito melhor para criar o clima retro), e que esses efeitos não sejam realmente significantes para a história e a narrativa, é preciso admitir que é o melhor 3D convertido feito até agora, ou seja, não filmado com câmeras 3D, mas pós produzido. Muito trabalho, tempo e dinheiro foram colocados para dar efeitos de profundidade bem naturais e constantes durante todo o filme. Ainda assim, ver um filme 3D ainda é usar óculos escuros dentro do cinema, e falta de compensação de luminosidade no projetor deixa muitas cenas, principalmente as noturnas, excessivamente escuras e, em alguns momentos, até impossível de se ver com clareza.
Apesar de não superar, Capitão América chega bem perto de Homem de Ferro no ranking dos filmes do estúdio Marvel. E para completar o espetáculo, é necessário destacar a inteligência de Johnston em chamar o veterano Alan Silvestri para compor a música. Numa época infestada de clones de Hans Zimmer e de um esquema de trabalho estilo “linha de montagem” que varreu as melodias do cinema e deu um som uniforme a qualquer produção, a grande sacada dele não foi apenas contratar Silvestri, mas saber dirigi-lo. O próprio Silvestri realizou um trabalho estéril em G.I.Joe e o veteraníssimo Patrick Doyle parecia um zimmerclone em Thor, mesmo trabalhando com Kenneth Braghnah, seu parceiro em uma dezena de filmes. Aqui, Silvestri entrega uma trilha à moda antiga, par perfeito pra a história e para o personagem. Abaixo, vocês poderão ouvir o tema dos créditos. Podem me chamar de antiquado, mas é ASSIM que se faz.
6 comentários:
Isto não é ser antiquado, é ter o juízo no lugar. Se fazer protesto contra tudo isso que aí está resolvesse, os anos oitenta teriam endireitado o mundo.
Eu também prefiro mil vezes o bidimensional para uma ficção de época, ainda mais com uma estética que me encanta tanto como a dos anos quarenta.
Eu mesmo fui um dos que fez muita gozação aqui an Séries com o Cris Evans como Capitão, mas nos últimos meses fui baixando a bola. "Ih, acho que se filme vai ser bom", começei a ponderar.
Eu não retiro a gozação porque a gente perde o herói mas não perde a piada, mas que esse é o filme recente da Marvel que eu mais queria em 2011, ah isso era.
Só sei que o Chris Evans é liiindo! * comentário útil*
Se a beleza servir para seduzir à luz quem ainda rasteja nas trevas, o comentário é válido.
Nanael é um poeta. <3
Nanael é impossível...
Mas eu acabei de sair do filme e zerei LA. Noire por esses dias. O ar retrô está tão forte na minha cabeça que estou me sentindo fora de meu tempo como um Steve Rogers. (Ah, qual é! Isso não é spoiler!")
Chris Evans é liiiiindo! Liiiiindo!! E convence como um American Pie em forma de guri. Antes que a Eddie comece a gritar, não estou dizendo que ele é novinho, adolescente. Estou dizendo que ele conseguiu interpretar magistralmente um escoteiro que vai continuar sendo um escoteiro aos 90 anos. Um homem que não socaria no olho um sujeito de óculos nem se o cara merecesse. Um cara que não tem medo de ser brega para dizer que ele acredita no que prega. Chris Evans me convenceu que ele era um desses caras. O outro cara é o Stan Lee. Podem falar o que quiserem, mas ele ganharia tanto dinheiro ou mais se não incluísse a ingratidão no salário de seus heróis - igualzinho um INSS - e que herói não precisa de muque, precisa de convicção. Precisa acreditar em si mesmo e fazer o certo em qualquer situação. Ele pode perder o trem da modernidade, mas ele não se perde de si mesmo.
Nanael fala menos e fala mais bonito. Mas eu falei e tá falado.
E mesmo que meu amado generalíssimo não acesse o Alcateia: EXCELSIOR!!!
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