terça-feira, 11 de maio de 2010

ALICE NO PAÍS DE NARNIA

Por Ricky Nobre
Existem coisas que são tão óbvias, tão clichê, que causam a sensação de que impedem a realização da própria obviedade. Explico. Um cineasta com o currículo do Tim Burton, especialista não apenas no sombrio, bizarro, mórbido, insano e gótico, mas, principalmente, no irônico existente nesses aspectos, nos parece o nome mais óbvio para realizar uma adaptação cinematográfica da história infantil mais lisérgica já escrita. Com situações e diálogos que zombavam dos conceitos de normalidade da classe média e alta inglesa, Alice no País das Maravilhas e sua continuação Alice Através do Espelho, ambos de Lewis Caroll, cativaram o imaginário popular e infantil, principalmente depois da adaptação da Disney do primeiro livro para um filme de animação em 1951. Seus personagens alucinados e diálogos afiados, embora bem reinterpretados pela Disney, careciam ainda de uma adaptação mais madura. Com todo o histórico das obras de Burton, que incluem Eduardo Mãos-de-Tesoura, A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça e Sweeney Todd, ele era o nome na ponta da língua para a tarefa, com ainda um agravante. Ele já havia refilmado A Fantástica Fábrica de Chocolate com esse mesmo objetivo: torná-lo mais próximo do livro e menos obviamente infantil. É aí que entra a dúvida: Burton filmar Alice não seria “mais do mesmo”? Não seria óbvio ao ponto do tédio? Não seria a hora de Burton investir em algo mais original, ao estilo de Peixe Grande, seu melhor fime?

Pois é, as pessoas gostam “do mesmo” e da segurança do conhecido. Os executivos de Hollywood também. Então lá foi Burton rodar sua versão de Alice, amparado por um orçamento milionário que apostava, também, no altíssimo retorno que as produções em 3D vêm angariando. As imagens de Johnny Depp (em seu sétimo filme com Burton) fantasiado de Visconde de Sabugosa, digo, de Chapeleiro Louco encantaram o público que esperava mais um delirante filme de Burton.

A primeira coisa que chama a atenção é o fato de que não, Alice NÃO é uma fiel adaptação do livro original. Ele é uma continuação, uma elaboração sobre um destino maior que a menina, no filme já com 19 anos (longe da ninfeta do autor supostamente pedófilo), teria com o país das maravilhas de seus sonhos, uma grande tarefa ainda a ser realizada. Transformando o personagem do Chapeleiro em quase protagonista, Burton enche o filme com suas onipresentes sombras e sua estética de cemitério, onde todo mundo parece meio morto. Se filmes como Cavaleiro sem Cabeça e Swenney Todd clamam por esse visual, aqui ele não é totalmente apropriado. Assim como a constante escuridão de A Fantástica Fábrica de Chocolate mostrava que Burton confundia pouca luz com sombrio e este com maturidade (já que sua versão era a “adulta”), aqui ele parece sugerir que qualquer mundo fantástico, qualquer dimensão além do nosso mundo visível comum, é necessariamente algo meio pós-morte. A palidez dos personagens é constante e a vegetação é sempre morta ou tenebrosa. Sim, aquele mundo está à beira da destruição e da dominação definitiva pela Rainha Vermelha (Helena Bohan Carter, a melhor do filme com seu cabeção digital), justificando a aura de morte eminente de tudo e todos. Mas a Rainha Branca de Anne Hathaway, supostamente a boazinha do filme, é tão assustadora que parece que ela vai se revelar a grande vilã da história a qualquer momento. Essa não dá pra explicar.

Se o filme possui qualidades, elas são expressivas e mantém o público interessado o suficiente para torná-lo um fenômeno que já arrecadou 960 milhões de dólares no mundo todo. O visual, mesmo mórbido, é deslumbrante e os efeitos 3D são muito dinâmicos, divertidos e até servem às cenas até certo ponto. Lá pelas tantas, a grande batalha final entre as duas rainhas e seus campeões e exércitos, acabam evocando excessivamente os filmes da série Nárnia, algo que, sinceramente, não tem cabimento de um cineasta da estatura do Tim Burton fazer. Mas o povo gosta.

O que acaba ficando ao fim de Alice é o viés feminista do filme. Aproveitando o fato de que as principais figuras da história eram femininas, Burton trata da opressão sofrida por elas naquele final do século XIX e narra uma crônica sobre a libertação de uma jovem moça de uma família e uma sociedade que controla seu destino como uma questão de tradição. Toda a nova viagem de Alice por seu país maravilhoso pode, ao contrário do que o filme sugere, ser mesmo um sonho, um devaneio, um símbolo ou uma alucinação da jovem, uma alegoria psicológica de sua libertação da opressão e da tomada das rédeas de sua própria vida. O roteiro não nega o velho clichê do “escolhido”, mesmo que Alice lute contra esse destino pré determinado muito mais do que o também clichê da negação do herói.

O final do “mundo real” acaba parecendo mais fantasioso do que o do país das maravilhas. Tudo parece muito simples e “então tá, né”. Mas o filme é sim divertido e pode agradar até às crianças, que parece ser a grande aposta do distribuidor nacional que colocou quase que exclusivamente cópias dubladas em exibição. Enquanto não chega um Burton mais maduro e original, divirtam-se com Alice de armadura e espada em punho.

NOTA: 2,5/5

2 comentários:

Patrícia Balan disse...

Acabei de ver "Alice..." e a sensação que tive foi a de que os produtores ficaram satisfeitos e mais ninguém importava na equação. Não é um filme ruim, mas também não tem muito conteúdo. A Eddie vai morder as paredes do cinema se for ver o filme num dia ruim, ou até em um mais ou menos. Não sei se acharia o filme menos que mediano se visse em 2D. A experiência em 3D realmente ajuda. Pena que um visual que promete tanto tem a profundidade de um pires. Lewis Carroll merecia, pelo menos, a profundidade de uma xícara de chá.

Danilo Campos disse...

O filme não é ruim, mas também não é bom. Ficou um meio termo esquisito. Bom, quanto a rainha branca, tirou as palavras da minha boca, toda vez que ela aparecia minha amiga falava "Vixe que mulher falsa...". Concordo. Ficou uma história insossa, sem ânimo nem pontos altos. Mas de fato, vale a pena assistir.